Leia análise de especialista sobre políticas neoliberais

segunda-feira, 17/10/16 17:25

O  QUE  VOCÊ DEVE SABER SOBRE O NEOLIBERALISMO

José Moreira Magalhães

 

Estamos vivendo no Brasil um período particularmente importante na política e na economia. Ambas em jogo, dada uma profunda mudança de coalizões e de rumos na política em si, mas sobretudo nas concepções e implementações de novas e diferenciadas políticas públicas.

Há estudos, análises, opiniões para todos os gostos sobre a crise, suas origens, os legados do governo que sai, etc. E é de direito que, desde que elaborados com isenção e seriedade na análise dos fatos, cada um assuma a postura que lhe pareça mais fundamentada e condizente com suas convicções.

No entanto, acho que não podemos perder de vista (e a realidade sócio-econômica do país não o  aconselha)  dois dos papéis  do Estado moderno, conquistados após experimentações de toda sorte, há pelo menos duas centenas de anos, no esforço de superação de graves crises que viemos enfrentando, num cenário global de duas guerras, uma grave recessão, aprofundamento da pobreza e das desigualdades no planeta, com os fantasmas da fome, do nomadismo e do sofrimento humanos.

Refiro-me ao Estado moderno produtor de bens públicos e agente regulador do mercado. Sua importância no primeiro papel rege-se pela garantia ao consumo essencial de bens necessários à plena cidadania e cuja disponibilização não exclua os cidadãos pela renda. O bem ou serviço público é, por natureza, não excludente. Saúde, educação, segurança, saneamento, justiça e infraestrutura dignas. Bens e serviços dos quais carece e precisa ter acesso sobretudo a parcela mais desfavorecida da população, através de políticas públicas seletivas e orientadas.

E o segundo papel, de regulador das falhas de mercado, onde atuam produtores de bens e de serviços privados em livre concorrência, sem cuja regulação estariam comprometidos o equilíbrio, não só da produção, como também do consumo, emprego e renda.

Essas falhas de mercado, modernamente exacerbadas pela eclosão de monopólios e de oligopólios, muitas vezes de controle transnacional, não garantem equilíbrio e bem estar automáticos; pelo contrário, agravam os desequilíbrios, fenômeno típico da sociedade moderna e cujas estatísticas são alarmantes no Brasil e no mundo, onde zonas periféricas amargam condições degradantes de vida.

Daí a importância do Estado regulador. Certamente, no entanto, não é esse o “estado neoliberal”.

Como adiantado, as discussões relativas a modelo de Estado passam de dois séculos, desde “A Riqueza das Nações”, de Adam Smith, em 1776. Da teoria do “estado mínimo”, da liberdade absoluta do mercado, levado ao equilíbrio pela “mão invisível” e o laissez faire.

O primeiro enfrentamento dessa postura se deu na crise de 1929, em que os efeitos do liberalismo clássico foram percebidos como causadores da crise, cuja superação veio a ocorrer com a implementação de políticas keynesianas (John Maynard Keynes-1883/1946). Foi então que a relevância do papel do Estado como agente econômico de intervenção voltou a ser valorizado. Exemplo disso foi o “new deal” de 1930, de Roosevelt e, em 1947, o “plano Marshall”, do governo Truman para a Europa.

No entanto, no pós-guerra, vieram a tona os conflitos de escolha entre a volta ao liberalismo clássico ou ao modelo coletivista planificado. Surge um pretenso meio termo, a “economia social de mercado”, que promove essa dinâmica, com presença pretensamente forte do Estado. Esse modelo foi inicialmente adotado pelas instituições do pós-guerra (Banco Mundial, FMI) e levado pelo menos até os anos 1970.

Os insucessos das políticas dessas instituições do pós-guerra, aliados a neoliberais sobreviventes ou ressurgentes no mercado, como Hayek e Friedman, Lippmann, Mises e Rustow, renovaram as premissas do liberalismo, agora neoliberalismo. Grandes impulsos práticos ganharam nos anos de 1950 a 1980, com as opções e políticas dos governos Pinochet (cujo programa de governo foi supervisionado por Hayek), Thatcher e Reagan.

Do ponto de vista teórico, importância fundamental ocorreu com o chamado “Consenso de Washington”, liderado por técnicos do Banco Mundial, FMI e Tesouro americano  e coordenado por John Willianson, em 1989, cujo decálogo comanda hoje os caminhos do neoliberalismo nas economias financeirizadas do mundo.

Disciplina fiscal, redução dos gastos públicos, reforma tributária, juros de mercado, câmbio de mercado, abertura comercial, ausência de restrições aos investimentos estrangeiros diretos, privatização de estatais, desregulamentação com afrouxamento das leis e direito à propriedade intelectual.

É verdade que a proposta dessas medidas resultou dos vários insucessos das transferências abundantes de recursos feitas pelo Banco Mundial e FMI à América Latina e África nas últimas décadas. Fracasso no combate à inflação e à corrupção e na promoção do desenvolvimento.

Mas é também consenso que esse decálogo, de per si, sem a presença do Estado como produtor de bens e serviços essenciais e regulador do equilíbrio do mercado, no sentido da criação e da distribuição do emprego e da renda, só leva  à injustiça social e aos mais temerários desequilíbrios. O pior recai sobre os pobres, sem proteção sistêmica.

A própria ONU reconhece a falência do neoliberalismo (“Flat world-Big Gaps”: Mundo Plano, Grandes Disparidades), ao afirmar que a globalização e a liberalização não resolveram os problemas de desigualdade e pobreza, enquanto os fluxos internacionais de capitais funcionaram em sentido contrário ao que se esperava, inclusive com leis de proteção nos Estados Unidos, Alemanha e França.

Nosso papel e o dos “think tanks” humanitários é estarmos vigilantes quanto ao novo governo que aí está, sob pena de assistirmos ao agravamento ainda maior dos desequilíbrios do país, até um ponto de mais degradação e de difícil retorno.

José Moreira Magalhães

É economista, com especialização em Planejamento Governamental; consultor em orçamento e finanças; e fiscal de tributos estaduais. Foi diretor de arrecadação, diretor do Tesouro Estadual e Diretor Financeiro do TJMG. Autor do livro "Desvendando as Finanças Públicas".

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