O Viúvo

segunda-feira, 19/09/16 16:00

Osvaldo França Junior

Por Arhur Lobato

Na introdução descobrimos algumas nuances do autor, que nasceu no Serro e estudou em Belo Horizonte, Ouro Preto e Rio de Janeiro, e passou na escola de cadetes do ar de Barbacena e do Rio de Janeiro. O que o motivou a escrever foi ganhar dinheiro para comprar uma motocicleta, e levou o conto para Rachel de Queiróz. Casou-se numa época em que Cadete não podia se casar, e,  fiquei sabendo na roda de leitura que ele teve um affair com uma de nossas colegas. Talvez o fato de um menino do Serro que vai para o Rio de Janeiro, reflita na vida do personagem título do livro: O viúvo.

A narrativa, sempre em primeira pessoa, é seca, distante, como se não refletisse sobre a vida ou não tivesse sentimentos. A não ser na narrativa da morte da esposa. Aproveito este parágrafo para falar de uma experiência pessoal: me senti à vontade lendo o livro, mesmo não me identificando com o autor/personagem. Então, me veio a reflexão sobre a questão do gênero na narrativa. Eu homem, me identifico com o homem enquanto personagem da narrativa por uma questão de gênero. E comecei a refletir sobre nossa roda de leitura, onde todos os livros lidos foram escritos por mulheres. É diferente, sim, a linguagem, é uma forma de domínio, por isto a humanidade tem uma dívida com a mulher, pois pouquíssimas mulheres deixaram  narrativas na história da humanidade. A mulher é sempre representada como um ser passivo e ornamentativo, a mulher que se destaca é a que seduz o homem por sua beleza ou sua feminilidade, como no caso de Eva, Helena de Tróia, Cleopatra, entre outras. Mas, e a visão do mundo segundo a mulher? Este é o patriarcalismo, o machismo fenômeno que não permite à mulher se expressar, mas se esconder atrás de um homem forte e viril, afinal, nossa história é a dos imperadores, dos guerreiros, dos destruidores, e a isso chamamos humanidade…. Percebi  em um insight, que a linguagem é uma forma de domínio, de controle do conteúdo e da forma, uma maneira  de formar mentes que repetem o padrão patriarcal, e, que bom que nesta roda de leitura, com minhas amigas podemos penetrar neste mundo misterioso para nós homens,  que é o feminino, e confirmar mais uma vez: a linguagem sempre foi uma forma do homem exercer seu domínio sobre a mulher, a natureza e a sociedade.

Bom, voltemos ao livro: a morte e o velório de Darcy, endureceram  o sentimento do homem agora viúvo. A inexorabilidade da morte destruiu talvez o penúltimo resquício de humanidade deste homem agora viúvo, e agora sem amor e sentimento ele tem seu ultimo resquício de Darcy: os filhos. De inicio a morte da esposa foi o fim de seu mundo, os filhos ficaram com os avós e a empregada que se afeiçoaram a eles tentando suprir a falta da filha, mas as crianças eram filhas de Darcy e do Viúvo também.  Este busca no trabalho, nas ruas, algum significado para sua vida vazia e  sem Darcy. O trabalho é a forma de preencher seu vazio existencial, mas…não preenche!

Indiferente aos sogros e aos filhos, tem em Lúcia ex amante um objeto de descarga sexual, o que magoa esta mulher, que como todas quer ser amada e não usada.

Somente no capítulo IX, na página 44 ele assume a paternidade e leva os filhos para casa. Pai estranho esse, calado, parece que quando criança não teve contato com outras crianças, não sabe se comunicar ou brincar com a herança de Darcy. Nem o choro das crianças o incomodava, aquela linha dura que talvez o pai tenha praticado: deixe as crianças chorarem até cansar… como deve ter acontecido com ele criança, pois os filhos repetem o que os pais ensinaram. Sorte que tinha a Tereza empregada doméstica, que adotou as crianças.

Trabalho, carro, bar e Lúcia estas eram sua rotina ao sair de casa. No encontro sexual com Lucia após satisfazer suas necessidades e não desejos sexuais, deixa Lucia na Praça Sete como se joga fora algo do carro, aliás, ele tem mais tempo e cuidado com o carro que com o ser humano.

E é o carro, a partir de uma ideia de Tereza, que une pais e filhos num passeio ao parque, será que o viúvo está se humanizando? Passeio no parque de barco, pipocas e balas, carrossel, e um passeio por BH, que continua a mesma, Parque Municipal, Afonso Pena, Cinema Brasil, bom, pelo menos as ruas e os prédios são os mesmos…

Com um apetite sexual mais forte que seu caráter, aproveita a alegria do empregado para se insinuar para a esposa, um tremendo mau caráter, em seu silencio de macho ferido.

Passeando pela Guaicurus, recusa uma prostituta, e em casa procura os vestidos de Darcy, a presença da ausência da morta, como dizem os psicólogos. Indignado descobre que os pais levaram os vestidos da filha, sumiu o fetiche….Na pagina 88, mais uma aventura do viúvo sem sentimentos, e a ilusão da mulher nova na vida de um homem:  “vim pensando em comprar uma casa em Lagoa Santa e morar perto daquela garota”. De novo no bar, se aproxima de um casal, mas está de olho na calcinha da filha de treze anos…

Finalmente, Lúcia conhece seus filhos, e por causa de sua ironia sobre as florzinhas  foi expulsa de casa, homem difícil esse, hein?   E volta à casa do amigo funcionário para  tentar violentar a esposa deste, embebedando o pobre coitado. O que passou na cabeça desta mulher? Medo? Desejo? Temor de que se não cedesse o marido perderia o emprego? Egoísta pelo menos percebeu, com relação a Maria, “que seu rosto era diferente do que eu estava querendo…”

A forma como cuidou da ferida do filho que mancava é grotesca: fez o filho colocar pedra no sapato para mancando enfrentar a dor da ferida da outra perna, assim era  a educação de um homem antigamente, afinal homem não chora.

O talco de Darcy quando foi arrumar o chuveiro, mais uma presença da ausência da morta.

Mais um jantar regado a bebida para o amigo se embriagar e ele se aproveitar da esposa do amigo, Maria; e o filho do casal era até afilhado do viúvo, tamanha veneração de Efigênio por Pedro.

Surge o clímax do livro: o acidente com mortes no ônibus onde os filhos estavam, um desastre com várias vítimas. Teve que comprar o jornal para entender o que aconteceu, e surge a primeira reflexão: mais segurança nos ônibus principalmente para as crianças.  Será que o viúvo se humanizando, ante a ameaça da perda dos filhos, último vestígio de Darcy. Numa compulsão mórbida quis ver o ônibus acidentado. A pulsão de morte persegue este homem que parece não acreditar que seus filhos estão mortos. Só então ele volta ao hospital para ficar com os filhos. Achei que esta cena e a morte de Darcy são os momentos em que o personagem se vê frente a perdas, a dor a finitude da vida com o uma realidade inexorável, destino de todos nós queiramos ou não.

No hospital, as lembranças dos últimos dias de Darcy se misturam com a realidade, agora são seus filhos que estão no quarto perto do 26, onde Darcy passou seus últimos dias. Tudo lembra Darcy, a angustia é sufocante ele tem que sair, pega o caro, estaciona na igreja São José, anda na Avenida Afonso Pena e Rua Tamóios, é estranho, digo eu, pois o viúvo “começou a reparar como existem pessoas, que não conheço nesta cidade”. O outro, o ser humano se torna visível, a humanidade é esta estranha relação entre eu e o outro, mesmo que os outros sejam todos desconhecidos,  mas humanos como nós, ou, citando Nieztzche, “ nem anjo, nem demônio, apenas humano demasiadamente humano…”  E, mais uma vez, Darcy é a personagem que o humaniza mesmo não estando viva, continua em sua memória, afinal, todos nós continuamos passeando nas ruas onde Darcy já passeou. Só então, mostrou um sentimento pelos filhos: raiva, “por eles estarem rasgados… A possibilidade da perda dos filhos em um acidente fatal resgata a humanidade paternal deste viúvo, que lembra da pomada que comprou para as crianças, procura o canteiro onde as crianças brincaram, como que não acreditando que eles estavam vivos e que as lembranças eram de quem continuava vivo, e não lembranças de alguém que já se foi – Darcy.

De carro, vai até à Pampulha, Lagoa Santa, afinal, o que procura este homem? Ou  é só um modo de fugir da realidade com seu único amigo de verdade: o carro.

A garotinha da idade de sua filha é motivo de uma briga no transito, a violência latente explode de forma animalesca…

Corte. O personagem esta no hospital? O que aconteceu depois da briga onde ele era o vitorioso, deitado pensa no carro sujo, na na casa com a janela abertas como Darcy deixava… De repente parece que o viúvo esta num caixão indo para o além, e ouve sua ultima frase “ele tem uma expressão tão calma…”

O fim chegou para ele que como todos nós não percebemos que estamos mortos. E qual o sentido da vida? O que o autor quis dizer com este final de livro?  Bom, isto eu deixo para nosso debate, hoje 30 de Junho de 2016 em nossa roda de leitura.

Complemento de análise do livro: O viúvo:

 

Houve uma percepção do grupo, que na realidade os filhos do viúvo morreram no acidente do ônibus, mesmo  que a única referencia sejam os rostos cortados e amassados. Esta é  a riqueza da literatura, a percepção que o leitor tem do mesmo texto, por isso surgem várias interpretações. São os sinais sutis da captura da atenção do leitor, que o faz perceber os indícios da morte dos filhos do viúvo no hospital, onde a esposa Darcy também morreu, mas no quarto 26, perto do quarto das crianças.

Isto explica porque Pedro, o viúvo não fica com os filhos no hospital, vai procurar se informar nas notícias do jornal,  descobre que foi erro do motorista do ônibus que provocou o desastre, por isso ele procura o motorista na garagem da empresa, quer inclusive ver o ônibus sinistrado, mas é impedido pelos funcionários da empresa.

Outro detalhe é que neste estado de exaltação ele vê uma mãe com o filho não ser respeitada por um motorista ao atentar atravessar a rua, e a cadeia de significantes (carro-criança-acidente) faz com que a fúria contida deste homem exploda em uma agressão brutal ao motorista  do automóvel. O grupo entendeu que nesta briga, onde ele foi muito violento, o viúvo foi linchado pela multidão que presenciou o fato e tentou apartar a briga.

Como os capítulos do livro são fragmentados, ou seja, não há ao longo do livro uma continuidade dos capítulos, entre o fim de um, e o início do próximo, o grupo entendeu que a seqüência do linchamento (que não é explicita), continua no próximo capítulo com a morte ou delírio do viúvo. Talvez a morte tenha sido provocada pelas agressões em uma briga que ele provocou.

O final é romântico Pedro encontra Darcy, mesmo que seja no além, mesmo que seja só imaginação.

 

Arthur lobato

Psicólogo/facilitador da roda de leitura do NAP Sinjus.

 

 

Sobre o autor: Osvaldo França Júnior (1936 – 1989)

Romancista brasileiro nascido em Serro, Estado de Minas Gerais, piloto da Força Aérea Brasileira e expulso da corporação depois do golpe militar (1964). Filho de Oswaldo França e Jacira Nunes Mourão, fez o Curso de Formação de Oficiais Aviadores – Campo dos Afonsos, Rio de Janeiro, com especialização em combate aéreo. Cadete da aeronáutica, foi expulso como subversivo, por ocasião do golpe militar (1964)  Desempregado, tornou-se motorista de táxi em Belo Horizonte e, nas horas vagas, escrevia contos. Depois exerceu inúmeras atividades durante sua vida. Foi corretor de mercado de capitais, de imóveis, de cereais, de carros usados, proprietário de banca de revistas, de barracas de pipocas e gerente de empresa de ônibus. Aconselhado por Rubem Braga, passou a escrever romances e assim surgiu seu primeiro livro, O viúvo (1965), lançado pela Editora do Autor. O sucesso veio definitivamente com Jorge um brasileiro (1967), ganhou o Prêmio Walmap, o mais importante da época, que deu origem à série da TV Globo Carga Pesada e mais tarde foi filmado por Paulo Tiago. Publicou mais 13 livros: Um dia no Rio (1969), O homem de macacão (1972), A volta para Marilda (1974), Os dois irmãos (1976), As lembranças de Eliana (1978), Aqui e em outros lugares (1980), À procura de motivos (1982), O passo-bandeira (1984), As laranjas iguais: contos (1985), A árvore que pensava (1986), Recordações de amar em Cuba (1986) e No fundo das águas (1988). Morreu vítima de um acidente automobilístico perto de João Monlevade, Estado de Minas Gerais, poucos dias após ter concluído seu último romance De ouro e de Amazônia (1989).

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