ARTIGO

Concurso Público e o aperfeiçoamento da Lei de Cotas Raciais

segunda-feira, 16/10/23 16:16

Diante das distorções sociais que ainda marcam a história brasileira, existem as chamadas ações afirmativas para contornar as discrepâncias sistêmicas de ordem histórica e social. Em conceito breve, ações afirmativas são políticas, públicas ou privadas, criadas para promover a reparação e a superação das desigualdades que estruturam a sociedade. Essas disparidades historicamente interditaram o acesso de alguns grupos à universidade e a diversas outras oportunidades; grupos que vivenciam constantemente a discriminação por seu pertencimento de raça, classe, regionalidade, por conviver com alguma deficiência, por sua orientação sexual e identidade de gênero.  

No universo dos concursos públicos, para diminuir a discrepância no acesso aos empregos e cargos entre candidatos pretos e pardos e os demais, foi publicada a Lei n. 12.990, de 9 de junho de 2014. Por meio desse ato, o legislador reservou “aos negros 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União”. 

Contudo, a Lei apenas gerenciou um contorno da política. Somente em 2016, por meio da Orientação Normativa n. 3, de 1º de agosto desse ano, a União dispôs sobre regras de aferição da veracidade da autodeclaração prestada por candidatos para fins do disposto na mencionada norma. Apesar disso, a diretriz ainda se mostrava insuficiente, uma vez que tinha o intuito de, tão somente, estabelecer os métodos de análise da autodeclaração. 

Para a instrumentalização e percepção da efetividade do necessário instrumento inclusivo, o Supremo Tribunal Federal (STF), em 2017, por unanimidade, declarou a constitucionalidade da Lei de Cotas Raciais, nos autos da Ação Direta de Constitucionalidade (ADC) n. 41, com a seguinte tese: 

É constitucional a Lei n° 12.990/2014, que reserva a pessoas negras 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal direta e indireta, por três fundamentos. 1.1. Em primeiro lugar, a desequiparação promovida pela política de ação afirmativa em questão está em consonância com o princípio da isonomia. […]. 

1.2. Em segundo lugar, não há violação aos princípios do concurso público e da eficiência. […] 1.3. Em terceiro lugar, a medida observa o princípio da proporcionalidade em sua tríplice dimensão. 

Por isso, já no ano subsequente, sobreveio a Portaria Normativa n. 4, de 6 de abril de 2018. Dessa vez, além da verificação da veracidade da autodeclaração, todo o procedimento de heteroidentificação complementar foi regulamentado. Com isso, foram definidos parâmetros em relação aos princípios regentes desse tipo de ação e a formação de uma comissão avaliadora nos certames. A partir desse momento, então, é possível creditar um avanço na aplicação da Lei. 

Em 2021, por seu turno, foi implementada uma pequena alteração neste último ato. A Portaria n. 14.635, de 14 de dezembro de 2021, passou a considerar a seguinte possibilidade: desde que a autodeclaração não fosse eivada de falsidade, o candidato poderia concorrer às vagas destinadas à ampla concorrência. No ato original, os candidatos cujas autodeclarações não fossem confirmadas em procedimento de heteroidentificação, ainda que com nota suficiente para aprovação na ampla concorrência e independentemente de alegação de boa-fé, seriam eliminados do concurso. 

Por fim, neste ano, em 25 de julho, foi publicada a Instrução Normativa n. 23 do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos. Em evidente caráter inovador e com escopo mais abrangente, a norma passou a disciplinar a reserva de vagas não só nos concursos públicos, mas também nos processos seletivos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, de que trata a Lei n. 8.745, de 9 de dezembro de 1993. E não só: depreende-se das novas previsões um aperfeiçoamento dos conceitos, reserva de vagas em procedimentos simplificados, formação da comissão e outras etapas imprescindíveis para a melhor aplicação da política. 

Há, assim, um verdadeiro avanço no aperfeiçoamento da Lei de Cotas Raciais em Concursos Públicos, com o intuito de cumprir a intenção do legislador: a minimização de um processo de alijamento social vivenciado por determinados grupos na sociedade brasileira. 

Vitória Mercês

Vitória Mercês é advogada e pós-graduada em Direito Administrativo pela PUC-Minas e em Linguagem Jurídica pela UFMG. Já compôs o corpo jurídico do SINJUS-MG.

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